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sexta-feira, novembro 29, 2013

Rabiscos

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Conto de Ronaldo Rodrigues

Quando voltarmos a ser crianças voltaremos a desenhar daquele jeito que só criança é capaz? Aqui estou, aprendendo a desenhar para depois, quem sabe, aprender a falar e andar.

O lápis azul cai próximo aos meus pés. Vou buscá-lo e avisto minhas meias vermelhas e seus buracos. Sei que hoje é segunda-feira porque sempre uso meias vermelhas nas segundas-feiras. Com ou sem buracos.

No céu que nos cerca há muita fumaça, mas no desenho posso suprimi-la ou substituir por nuvens, simples nuvens.

O lápis azul cai novamente. Desisto de ir buscá-lo. Talvez tenha optado pelo chão. Tudo bem. Aqui somos todos livres. Fecho os olhos e busco no porta-lápis a cor que queira ser o céu. Abro os olhos e descubro o lápis vermelho em minha mão:
- Vermelho, quer ser o céu hoje?

Passo, então, a pintar o céu de vermelho. Pouco acima de onde pretendo desenhar a casa, deixo um espaço reservado ao sol. E antes de entrar na questão de que cor será o sol, vamos às cavernas?

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Sim, sim. As cavernas, é claro! Lá há uns trogloditas desenhando grandes bisões. Os troglôs (vamos chamá-los assim) ficam longe da assustadora cidade, onde moram e trabalham pessoas que usam máscaras.

No lugar onde se localizam as cavernas, o ar é puro e as nuvens são nuvens mesmo, não fumaça de chaminé. Mas os troglôs não querem, no momento, desenhar nuvens & casas & árvores & sol. Querem desenhar bisões, grandes o suficiente para o almoço de domingo. É sempre domingo nas cavernas?

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Quem quer ser o sol? Pergunto aos lápis. Eu sei o quanto é difícil ser sol. É preciso ser muito grande e muito quente. Olho em volta em busca de algo que possa ser o sol, já que os lápis preferem não se arriscar.

Há um homem lendo um pedaço de jornal. Digo-lhe que aquele papel amarelado pode ser o sol do meu desenho. Ele propõe uma troca: o papel amarelado por um palito queimado. Ele faz coleção de palitos queimados e acha que um dia construirá uma casa com eles.

Está resolvido: acendo um palito e ponho fogo no papel amarelado. Quando o papel está totalmente em chamas, colo-o no espaço destinado ao sol, apago o palito e o entrego ao homem.

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Na cidade onde moram e trabalham pessoas que usam máscaras, as crianças possuem avançados computadores gráficos. Quando elas resolvem desenhar árvores & sol & casas &  nuvens, há um bloqueio nos computadores. Eles vibram, produzindo estranhos ruídos, que parecem gargalhadas. Gargalhadas?

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O sol continua queimando. O fogo não apaga nunca e não se alastra para as outras áreas do desenho. Muito bem.

Agora, penso na casa. Quero pintá-la de uma cor indefinida que vá, aos pouquinhos, tomando cor de casa. Bom é que casa tem a cor que desejamos, até cor de plantação de trigo.

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Mas computadores não gargalham, pensam as crianças. Não existe tecla ou programa que faça computador gargalhar. Aqueles estranhos ruídos são sinais de que os computadores vão explodir. E explodem mesmo! Em meio a faíscas e estrondos, as tripas eletrônicas jorram por cima dos móveis. As explosões atingem o CC (Computador Central), que também vai pelos ares, provocando um pandemônio na cidade. As pessoas que usam máscaras correm apavoradas para o abrigo. A cidade está ameaçada.

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Falta pouco para que a casa de cor indefinida seja concluída. Passa ao meu lado aquele homem que trocou o papel amarelado pelo palito queimado. Desta vez, vem trazendo flores e pergunta qual a razão de tudo isso? Antes que eu tente responder, ele vai embora. Quando dobra a esquina, a casa já está totalmente pintada.

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Momentos antes da explosão da cidade, as crianças conseguem fugir, orientadas por um homem que vende flores. Conseguem chegar sãs e salvas às cavernas. Os troglôs as recebem com muita amabilidade e convidam para o almoço de domingo. Prato principal: um grande e suculento bisão.

Com os carvões que ficaram das fogueiras, os troglôs e as crianças desenham nas paredes das cavernas casas & sol & árvores & nuvens &...

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Qual será a cor definitiva da casa? Sugiro que seja a mistura das cores das flores que o homem levava consigo. Os lápis sugerem que a cor das nuvens seja da cor dos seus cabelos brancos & cinzentos & liláses & verdes &...Todos concordamos e vamos ao trabalho.

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