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terça-feira, agosto 27, 2013

O jornalista Juvenal (conto)

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Juvenal chegou entusiasmado no primeiro dia de trabalho.

Foi recebido pelo dono do jornal com louvor e rapapés.

Aqui está sua sala, doutor Juvenal, a secretária disse, estofando a cadeira.

Era o novo diretor de redação.

Em seis meses de muito trabalho, virou bicho.

No pescoção, era um herói.

Não sobrava pedra sobre pedra.

Nem garrafas de café.

A esposa mal o via em casa tanto era seu empenho.

Tomou chifre, claro.

Mas, tudo bem.

Tudo pela empresa.

Ao fim do semestre, muitas manchetes depois, veio o resultado: aumento de 500% nas vendas.

Trouxeram um bolo, refrigerantes, comeram e beberam ali na cozinha da redação entre uma pauta e outra.

A promoção veio ligeira.

Virou editor executivo e passou a trabalhar, ao invés de 7 horas, oito horas.

Chegava cedo, porque era o rito do principal caderno do periódico.

Lia todos os concorrentes, checava e disparava e-mails, ligava para os repórteres, debatia os assuntos do dia.

De tarde, recebia todo o material, selecionava o filé e levava ao sucesso no antigo cargo.

Decidiam juntos e ele era escalado para editar todas as páginas da fatia mais prestigiada daquela gazeta.

Fazia tudo com um sorriso cintilante no rosto e voltava para casa dez, onze, doze horas depois.

A mulher já estava no terceiro amante, um repórter relapso do mesmo jornal.

Um ano depois foi chamado no RH.

Sem cerimônia lhe informaram a nova promoção.

Seria agora apenas editor e olhe lá, trabalhando 10 horas oficialmente sem intervalo e com o salário reduzido a dois terços do anterior.

Deu pulinhos de alegria.

Em um ano e meio de muito suor e já chegara naquela posição.

Recebia as páginas mais ingratas e sempre na última hora.

Ao final de tudo, havia mais trabalho. Sempre.

Era o reserva para ajudar no rescaldo dos demais setores. Da política ao esporte, da geral à economia.

Com ele não tinha tempo ruim.

Deixou o caderno mais nobre e passou a circular pelos demais como um cão sem dono, editando de tudo, agora sem posto fixo.

Ao final de uma jornada de 14 horas diárias, sem folga semanal, ele voltava de olho arregalado para casa.

Contente.

Sempre contente.

Quatro anos e meio depois, novo chamado.

A velha do RH havia morrido e a substituta era uma moça loira, bem vestida.

Mais um avanço.

Chegara finalmente ao cargo de repórter!

Viva! Viva!

O acordo eram 14 horas diárias, um terço do salário do salário anterior sem folga na semana.

Saiu do departamento e já caiu no mundo da reportagem.

Cinco pautas no primeiro dia.

Depois o ritmo melhorou e ele chegou a escrever até 15 por dia.

Sua meta era chegar a vinte e oito.

Duas por hora não era para qualquer um.

Até conseguiu, porém teve uma convulsão no final e foi levado ás pressas à emergência.

Cinco dias de atestado.

Teve os dias descontados no salário.

Claro que agradeceu.

Chegou ao caderno de polícia ao final de dez anos de trabalho.

Foi quando reduziram os vencimentos a apenas dez por cento do ganho inicial.

Ele comemorou com um pão careca e um copo d'água numa padaria no meio da ronda.

Já velho, as energias lhe faltando, encostaram Juvenal no caderno de cultura para assumir a agenda de eventos e fazer as pautas da casa, de quando em vez, que, na verdade, era toda hora.

O ritmo não poderia diminuir.

Nada menos do que dez por dia.

Dessa vez o acordo veio em memorando: dormir na redação, cinco centavos por matéria, uma folga monitorada semanal por mês e comida somente no restaurante da empresa.

Ele vibrou, entre uma tosse e um chiado no peito.

Calculou os trocados e pensou que se só tomasse apenas café e fumasse daria pro gasto.

Continuou trabalhando de sol a sol e dormia debaixo da mesa de seu velho computador ou no chão do banheiro, que era mais friozinho.

Um belo dia, uma segunda morna, trouxeram a vassoura, o pano de chão e o espanador.

Era o ápice.

Ele lagrimou de felicidade no grande dia de sua vida.

Chegou aos píncaros da glória, o último estágio que poderia atingir em sua vida profissional.

Foi designado por um estagiário a limpar a sala do mais recente chefão, como primeira tarefa do novo posto.

Era o primeiro dia também do novo capo.

Quando o homem chegou, engravatado e bem penteado, Juvenal estofou a cadeira, deu um sorriso franco de quem está prestes a se aposentar e não ganhar mais um vintém e disse, com o mesmo entusiasmo de sempre:

-Boa sorte, doutor!

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