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terça-feira, outubro 23, 2012

Palavras, palavras, palavras...

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Pouco me interesso pelo real. Somente os sonhos e os delírios me deixam em estado de alerta. Ou letargia total, sei lá! Agora, por exemplo, não sei se é sonho: o momento em que pouso o copo de uísque barato na mesa barata do boteco barato e tento continuar escrevendo estas linhas toscas, que ninguém lerá. 

O sonho em que pareço mergulhado nem sempre me dá prazer. Prazer é artigo de luxo. A TV mostra bombardeios horrendos narrados por repórteres em modelitos impecáveis. Os comentários das pessoas ao lado me desagradam profundamente. São opiniões equivocadas, que revelam o nível precário de consciência em que o ser humano chegou neste princípio de milênio. Penso em Caetano Veloso. Ele tem razão quando fala de uma nova Idade Média situada no futuro.

Posso pensar que a amargura dos ultrarromânticos escreveu belas páginas da literatura mundial. Em verdade, posso pensar qualquer coisa. E, quando estou de posse de uma caneta e um pedaço de papel, esse poder se transforma em palavras que revelam poder nenhum. A não ser uma sensação de aniquilamento. Mas prosseguiremos. Prosseguiremos?

Não há motivo aparente para desespero. E o desespero não existe realmente. Mas se existe no delírio, e é o delírio que me interessa, o desespero passa, então, a existir. Eu coloco uma distância entre o desespero que há e o sofrimento que ele pode causar. É como se eu fosse apenas o cinegrafista do filme que é minha vida. Um observador desatento, mas privilegiado, das coisas que acontecem comigo e que alguém, sentado na poltrona do cinema, pode dizer: “Ei! essa é a vida de alguém!”.

Um trabalhador que pega no batente às sete da manhã, o que o obriga a acordar às cinco, dirá: “Frescura! Na minha terra, homem que é homem não tem tempo ou disposição para questões que esse cara acha que abriga no peito, na cabeça”. É verdade. O tempo disso já passou. A adolescência não voltará para me redimir, me colocar nos eixos. Hoje, adulto, eu deveria saber que não há eixo algum. Há somente uma tentativa, por muitas vezes frustrada, de consciência. Saber-se na escuridão, tentando manter os olhos abertos.

Ronaldo Rodrigues

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