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segunda-feira, abril 23, 2012

E se eu também estiver sendo investigado? (crônica legal sobre a fofoca)

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Pois é. Já pensaram nessa hipótese? E se eu estiver também sendo investigado, vigiado, conspurcado em minha privacidade? Gostaram da palavra conspurcado? Pouco usual. Sempre quis usá-la. Pois bem. Voltando ao assunto: se eu também estiver sendo investigado, como deverei me comportar? Tudo bem que não sou nenhuma personalidade global, um astro do futebol ou do rock (quem vai saber a diferença?), alguém que pode entrar no raio de ação dos sequestradores. Não sou nada disso, mas me permito esse tipo de paranoia. Quem se interessaria pela vida de alguém como eu, que não consegue se distinguir dos demais?

Se sou inapto para tudo, incluindo aí algum despreparo para as funções do amor. Dirigir automóvel, que a maioria dos seres pedestres já nasce sabendo? Pois sou incapaz de passar uma marcha sequer. Se eu estiver sendo investigado, algumas pessoas poderão ser envolvidas. Minha mãe, por exemplo. Minha mãe, minha defensora incondicional, poderá ser acusada de dar abrigo ao criminoso. O criminoso sou eu. Espera aí! Eu já me sinto criminoso? O julgamento nem começou. 

Será que as câmeras deles me flagraram no momento em que devolvi o troco que a moça do caixa me deu a mais? Não. Isso estaria a meu favor e é óbvio que eles não pertencem ao meu fã-clube. Jamais registrariam uma bola dentro. Meu restrito círculo de amigos ficará ainda mais restrito e já não será mais um círculo, será um conjunto vazio. 

Chega de matemática ginasial! Retornemos à paranoia: onde estávamos quando fomos interrompidos? Ah, sim. Se eles estiverem me observando, o que acharão da minha predileção por novelas de época e programas do Chaves? Posso me redimir com as vezes em que dei aquela zapeada procurando um programa cultural, tipo mundo animal, um documentário sobre a vida sexual das tartarugas anãs do período jurássico ou um filme do Woody Allen. Será que eles revelarão a identidade da minha musa? Poxa! Queria que isso ficasse para o último capítulo do meu livro. Será que eles, com seus gravadores superpoderosos, captaram alguma palavra minha que tenha soado como a senha para a rebelião?

Uma desculpa esfarrapada ou mesmo uma mentira sem consequência pode-se transformar num indício fortíssimo de minha falta de compromisso com o bem da coletividade. Tentarão evidenciar minha falta de caráter. Minha falta de princípios, minha etiqueta social de menino suburbano, sem qualquer requinte, e minha coleção de lápis. Tudo isso estará registrado, com a classificação de cada conduta minha? 

Quando disse não a quem precisava ser ouvido. Quando estive com uma vida na mão e deixei escapar. Creio que se estou realmente sendo investigado, devo agora mesmo mudar de vida. Me tornarei agradável. Se bem que isso sempre foi a minha vontade. Terei escapado demais das virtudes cristãs? 

Ah, que esse papo já tá me aborrecendo! Se estão me vigiando, que vigiem! Todos os meus pecados são públicos! Os que omiti são para consumo dos mais íntimos. Que olhem meus olhos vermelhos, minhas unhas roídas, minha deselegância! Que vejam que sou livre! Que saibam que entre meus vícios não está a curiosidade de saber com quem meu vizinho da esquerda dorme, que não tenho qualquer interesse pelo que o meu vizinho da direita fuma. Que vigiem com suas lentes e microfones, deixando sua mentalidade medieval amparada pelos recursos do século 21. Deixem que pensem, que digam, que falem. Fofoca para quem precisa de fofoca.

Ronaldo Rodrigues

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