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quarta-feira, fevereiro 29, 2012

Jornalismo, acostumamos

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Acostumamos. Faz tempo que ele está ali. Crescemos, os da minha idade, primeiro identificando o rapaz de terno e a gostosinha de microfone na mão. Depois escolhemos que queríamos seguir aquele caminho. Primeiro sem consciência, às cegas, meio encantados, meio curiosos. Depois conscientes. Era aquela merda mesmo que queríamos. Ah, o jornalismo. O Jornalismo salva, sabia? O Jornalismo tira o homem da miséria, irmãos. Aleluia!

Na universidade, descobrimos que não era bem assim. Monopólios, oligopólios, interesses. Homens maus. Empresas. Donos de empresas. O capital. Meu Deus, o capital. Meu Deus não que ficamos meio ateus. Pra lá com esse negócio de religião. Mas, por Nietzsche! Santa patifaria, Bátema. O capital! A indústria cultural, a pós-contemporaneidade e essa inutilidade toda. Aquele jornalismo bonito e formoso do microfone na mão salvando o mundo foi ao caralho e não voltou.

Mas, insistimos. Arrumamos estágios. Ganhamos o mínimo e vales-transportes. Cortamos jornais! Lembra? Era o tal do clipping. Cortamos jornais como no jardim de infância e fingimos que aquilo ali era para aprender Jornalismo. Quase como o Daniel San pintando o muro, consertando a ponte, limpando carro. A diferença é que não ganharíamos o campeonato no final, muito menos provaríamos aos Cobra Kai que éramos melhorzinhos, bons moços.

Conseguimos empregos. Alguns até bons. Outros meia-boca. Penamos, coitados. Pegamos muita porrada. Não da polícia. Não dos militares. Não para ver o Brasil atolado na Democracia. Pegamos porrada para aprender. A ser profissionais. A ser gente. A ser duro o suficiente. E porque merecíamos. Ou você acha que um moleque criado vendo Xuxa, comendo Danoninho, trancafiado em um apartamento não merece porrada? Eu acho que merece. Até eu que não tive nada disso mereço. E muita. Pegamos todas.

Aprendemos um pouquinho, no final das contas. O lead, o sub-lead. O molho do texto. A entonação. A escrever direito release. A beber, a fumar maconha, a cheirar, a fuder sem compromisso, a varar a noite falando merda. Aprendemos o jogo por trás das câmeras. A ganhar a gostosinha que aparecia na tevê. A mentir para ter um minuto de paz. Ficamos gordos. Olhe-se no espelho. Você está gordo. Aprendemos a ser gordos.

Ficamos violentos, falastrões. Do estagiário dos recortes de jornal, viramos heróis de nós mesmos. Compramos carros, viajamos. Ganhamos prêmios. Conhecemos Londres, Paris. Fomos ali em Amsterdã, olha só. Casamos. Com e sem amor, casamos. Achamos tudo um lixo ao olhar para trás, tudo um saco. Nem valeu de nada.

Cansados, brigamos por dinheiro. Por cargos. Por folgas. Por café quente. Mesa arrumada. Pelo bem dos nossos assessorados. Nossos patrões. Nossos políticos preferidos. Nossas descrenças. Salário, bucetas, rolas, pelo capital. Meu Deus, pelo capital, brigamos nós! Fizemos barracos horríveis. Criamos caso por nossas mulheres, nossos homens. Brigamos por quase tudo. Menos pelo bom jornalismo, aquele que nunca mencionamos, nem soubemos o que é. Aquele que nunca esteve nem no rapaz de terno nem na moça bonita de microfone na mão. Enfim, o nariz embotou com a imundície escorrendo na nossa cara todos os dias. Sem desconfiar, sem saber de nada como sempre, acostumamos.


Anderson Araújo

Fonte: http://bebadogonzo.blogspot.com/

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